A designação espinhela caída é muito comum na medicina popular e esse fato já bastaria para justificar o nosso interesse em saber do que, realmente, se trata. Quanto aos médicos que trabalham em certas zonas onde a chamada medicina mágica, goza do maior prestígio, é conveniente tenham um melhor conhecimento sobre a tão falada espinhela caída, evitando assim, ficar em descrédito perante alguns de seus clientes capazes de julgá-los despreparados ou ignorantes.
Em nosso toráx, na parte anterior na linha mediana, existe um osso achatado, o esterno, sobre o qual se articulam as clavículas e quase todas as costelas. Na parte inferior desse osso, encontra-se uma pequena formação cartilaginosa cujo nome científico é apêndice xifóide, mas conhecido, vulgarmente como espinhela. Esse apêndice sofre variações em sua forma. Entretanto, segundo os anatomistas, mais se parece a uma espada, daí seu nome (Xiphos, espada, e eidos, forma).
É secular a crença de que a espinhela cai se o indivíduo faz qualquer esforço violento, abruptamente, ou se recebe uma pancada, no tórax. O fenômeno também aconteceria em conseqüência da atuação de golpes de ar que levariam ao resfriamento do tórax. Essa última causa é muito citada pelos médicos antigos. É interessante assinalar que, entre nós, a espinhela caída teve uma de suas primeiras referências científicas feita pelo naturalista Carlos Frederico Filipe von Martius, que esteve no Brasil entre 1817 e 1820 em missão de estudos, tendo depois escrito um livro, Viagem ao Brasil, em três volumes. No seu trabalho Martius assinala, entre os índios, o que considera casos de espinhela caída caracterizados por várias perturbações digestivas, fraqueza, vômitos, dificuldade respiratória.
A verdade é que, atualmente, embora não se encontrem mais, citações quanto à espinhela caída em obras de natureza científica, as referências a elas são constantes, na medicina popular. Em outros países, embora sob alguma variação, também se encontra essa crença. Na França por exemplo a espinhela é conhecida, em certas regiões, como luette (campainha) e a cura da sua queda é um tanto diferente da que se pratica por estes lados. Efetua-se arrancando certos fios de cabelo da cabeça, da pessoa doente.
Mas, afinal, como é possível comprovar a queda da espinhela? Medem os entendidos, a distância que vai da ponta do dedo mindinho até o cotovelo. Depois medem a distância de ombro a ombro, se esta medida é menor, não resta dúvida: está configurado um caso de espinhela caída. Em certos lugares a última medição (de ombro a ombro) é substituída pela medida do próprio osso esterno em condições que variam conforme a prática, a escola, do medidor.
No tratamento da espinhela tem grande conceito os mais variados emplastros, porém considera-se medida soberana e definitiva a benzedura. É claro que não se pode, simplesmente, rir diante dessas práticas. Cabe ao médico, principalmente, esclarecer, orientar seus pacientes, substituindo sua crença absurda pelo hábito de procurar o tratamento exato, correto, adequado a cada caso. Todo mundo já ouviu falar de um farmacêutico chamado Coué e que se tornou famoso pelas suas curas devidas à sugestão. É evidente que uma pessoa altamente sugestionada pode referir melhoras de seus males depois de receber um tratamento qualquer que, embora inócuo, a tenha impressionado.
Existem numerosas benzeduras destinadas à cura da espinhela caída, Luís Edmundo em seu livro O Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis, registra a seguinte: "Seja em nome do senhor / Esse teu mal curado / Espinhela caída e ventre derrubado / Eu te ergo, curo e saro / Fica-te, espinhela, em pé!".
(Lopes, José Elias Monteiro. "Espinhela caída: apenas popular". O Globo. Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 1969)
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